O começo não foi assim tão fácil. Quando deu seus primeiros passos dentro de quadra, André Heller precisou ter paciência até descobrir qual o caminho a seguir. Aos poucos, viu que o seu controle emocional diante dos principais desafios seria seu maior diferencial na carreira. Campeão olímpico em Atenas 2004 e prata em Pequim 2008, acumulou títulos e fez parte da geração mais vencedora do país até se aposentar, em 2014. Agora, como coordenador técnico do Vôlei Campinas, tenta passar para os jogadores, clubes e até outros esportes um lado ainda pouco explorado no país: a neurociência ligada ao esporte.

Heller se interessou pelo assunto ainda quando jogador. Sempre quis entender melhor o quanto a capacidade cognitiva do atleta influenciava nas partidas e passou a fazer cursos relacionados ao tema. No time de Campinas, conheceu Larissa Zink, ex-nadadora e coach esportiva, e que abriu ainda mais a mente do ex-jogador. Juntos, formaram uma empresa que, hoje, tenta levar a importância do trabalho cognitivo para o esporte no país.

– Eu já era muito interessado sobre a questão da inteligência emocional. Eu entendi a partir do momento que vi que era meu diferencial competitivo. Conheci a Larissa, em 2010, em um time muito limitado, eu era dez anos mais velho que o segundo mais velho do time. Eu mergulhei de vez nesse assunto, de inteligência emocional, e a Lari liderando a neurociência integrada ao esporte, ao treinamento cognitivo. A Larissa voltou (ao Campinas) em 2014, com várias especializações neurociência ligada ao esporte. Há pouco mais de um ano nasceu a Neuroesporte – disse o jogador.

Sócia de André Heller, Larissa aplica conhecimentos de neurociência no esporte — Foto: Divulgação

Sócia de André Heller, Larissa aplica conhecimentos de neurociência no esporte — Foto: Divulgação

Os dois, com a ajuda de uma neurologista, tentam aplicar conhecimentos cognitivos no treinamento de atletas. O trabalho, dividido em etapas, passa por uma avaliação dos atletas até treinamentos específicos para tempo de reação, tomada de decisão e controle de impulsividade.

– As pesquisas mostram que o atleta chega a tomar de 5 mil a 6 mil decisões em um evento esportivo. Nós, ao longo do dia, tomamos duas mil, três mil decisões. É, claro, mais bem sucedido aquele atleta que toma as melhores decisões. Só que, para tomar as melhores decisões, os atletas têm de ter algumas competências que são básicas, que é a atenção, entender qual o estímulo mais relevante, controle de impulsividade, de não fazer sempre o que der na telha, e a flexibilidade cognitiva, que é conseguir alterar a ação ao vivo e a cores, enquanto você está fazendo ela porque chegou uma nova informação – disse Larissa.

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Durante a pandemia, os dois organizaram um curso para capacitar outros profissionais esportivos, sejam treinadores ou professores. Acostumado ao método de treinamento intensivo, Heller afirma que o trabalho serve para apontar outros caminhos, já explorados no exterior.

– Nos Estados Unidos, na Europa, já está na cartilha de qualquer treinador. Aqui, a maioria ainda não entende, nem tem consciência da demanda, da importância. No Brasil, sempre se falou em quantidade de treinos. Horas absurdas. E eu mordo a minha língua, eu era leão de treino, achava que valia mais a quantidade. Mas a atleta que fazia 100 arremessos para se sentir confiante, se colocar esse componente estressor, cognitivo, para ter o mesmo resultado, pode fazer 50. Estamos falando de qualidade de treinamento.

André Heller e sócia usam aparelhos para medir capacidade cognitiva de atletas — Foto: Divulgação

André Heller e sócia usam aparelhos para medir capacidade cognitiva de atletas — Foto: Divulgação

A iniciativa ainda conta com certa resistência no país. No curso, Heller conta suas histórias dentro do esporte para quebrar essas barreiras e abrir a mente dos alunos e atletas.

– É o paradigma que estamos quebrando. Inclusive, a minha fala no curso é mais de contar histórias. E alguns conceitos inserimos nessas histórias, para gerar uma abordagem de aproximação com professores e técnicos. Um dos grandes desafios do curso é fazer com que essas pessoas, professores, técnicos e entidades esportivas, independentemente do tipo de entidade, entendam que esse conhecimento não é um componente que vai dividir a atenção dos grupos de interesse. Na verdade, vai agregar valor. O atleta mais preparado intelectualmente, cognitivamente, não vai ser um atleta que vai dividir a concentração e perder performance. Pelo contrário. Ele agrega valor à performance.

Os exercícios tentam fazer com que o atleta aumente o poder de decisão diante das variáveis dentro da partida. E, assim, diminuir o risco de que fatores externos influenciem no desempenho.

– Quantas vezes já não ouvimos no esporte a frase “Hoje não foi o meu dia”? A gente quer minimizar esse impacto. Não é nem minimizar, é potencializar a performance. Porque você pode até estar em um dia não tão bom fisicamente, não conseguiu ter uma boa noite de sono, tem alguma questão pessoal incomodando. Mas o componente cognitivo pode compensar isso. É como um investimento, tem que diversificar seus investimentos (risos). O atleta preparado cognitivamente, vai equacionando esses componentes. O ideal é que esteja em alto nível em todos eles.

Fonte: GloboEsporte – Por João Gabriel Rodrigues — Rio de Janeiro – 

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